Órfãos da Covid-19: cinco anos após pandemia, jovem relata processo para tentar entender morte da mãe médica: 'Aprender a viver de novo'

  • 11/03/2025
(Foto: Reprodução)
Desde 2019, mais de mil crianças ou adolescentes ficaram órfãos no Paraná. Psicóloga indica caminhos para trabalhar o luto. 'Foi tipo aprender a viver de novo', diz jovem que perdeu a mãe para complicações da Covid Em 2021, Luisa Mattos estava no início da faculdade de Jornalismo. Entre algumas das expectativas que tinha, era pagar um jantar para a mãe, Deisi Ribinski da Costa Mattos Silva, com o dinheiro do primeiro trabalho. Mas não deu tempo. Deisi nunca pôde saber qual foi o primeiro emprego da filha. O sonho foi interrompido quando, em abril de 2021, a mãe, que era médica, faleceu após ficar 40 dias internada em Curitiba devido a complicações pela doença. "Foi tipo aprender a viver de novo. Além de nós vivermos juntas, nós éramos muito próximas. A gente sempre foi. Com a pandemia, vivendo juntas 24 horas por dia, era uma proximidade muito grande. Perdê-la foi realmente aprender a viver de novo", conta, emocionada. ✅ Siga o canal do g1 PR no WhatsApp ✅ Siga o canal do g1 PR no Telegram Deisi Ribinski da Costa Mattos Silva ao lado da filha, Luisa Mattos Arquivo Pessoal Naquele ano, Luisa entrou para a estatística de órfãos de pai ou mãe por conta da Covid-19, declarada epidemia global há exatos cinco anos, em 11 de março de 2020. No Brasil, até 6 de março de 2025, foram registrados 39.210.405 casos da doença e 715.295 mortes, de acordo com o Painel Coronavírus. O fim da emergência global foi declarado em 5 de maio de 2023. Em 2021, no Paraná, 948 crianças e adolescentes perderam algum dos pais para a Covid-19, assim como a estudante. O número representa cerca de um terço do total de 2.666 crianças que ficaram órfãs no estado naquele ano. O número expressivo faz parte de um cenário ainda mais triste: desde 2019, 1.120 crianças ficaram órfãs de pelo menos um dos pais no Paraná por conta da Covid-19. Se forem consideradas as doenças relacionadas ao coronavírus na pandemia, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave ou a Insuficiência Respiratória, o número pode chegar a ao menos 1.501 crianças órfãs no Paraná por causa de doenças relacionadas à Covid desde 2019. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pelos Cartórios de Registro Civil do Paraná, que cruzou os dados dos CPFs dos pais nos registros de óbitos com o registro de nascimento dos filhos. Os números mostram também que, desde 2021, mais de 7 mil crianças e adolescentes perderam o pai ou a mãe, por diversos motivos, no estado. Em 2022, foram 2.262 crianças que perderam ao menos um dos pais, em 2023 foram 2.563 órfãos e em 2024 o número aumentou para 2.725 crianças. "A orfandade registrada nos Cartórios do Paraná reforça a importância de termos dados precisos para compreender a dimensão do problema e planejar políticas públicas que ofereçam suporte a essas crianças e adolescentes", defende Cesar Augusto Machado de Mello, presidente da Associação do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Arpen/PR). LEIA TAMBÉM: Vídeo: Jovem fica pendurada por corda dentro de elevador e é salva por amigas Relato: Mãe guarda na geladeira sucos vencidos de filha que morreu em acidente aéreo Serviço paranaense: Medicamentos para mais de 90 doenças podem ser solicitados remotamente Despedidas na pandemia A perda precoce da mãe transformou a vida de Luisa. Deisi pôde ter um velório, ainda que com restrições, e a família conseguiu fazer uma despedida. Porém, outras vítimas da Covid-19, em momentos mais agudos da pandemia, não tiveram a mesma oportunidade. Naquele momento, as restrições nos rituais de despedida se tornaram um desafio ainda maior para quem estava passando pelo processo de luto, segundo Lívia Miyasato, psicóloga e pesquisadora do tema. Para ela, na época da pandemia, o desafio de enfrentar o luto foi ainda mais intenso considerando que as pessoas também tiveram que lidar, simultaneamente, com privações sociais. "No momento em que você tem essa perda, tanto da rotina, da escola, das trocas sociais... E isso se soma a perda, por exemplo, de um familiar ou, às vezes, da principal figura de cuidado, isso vira uma situação mais desafiadora ainda para eles conseguirem enfrentar", explica. Luto na infância Deisi Ribinski da Costa Mattos Silva ao lado dos três filhos quando ainda eram crianças Arquivo pessoal Segundo a psicóloga, a pandemia intensificou a importância de se contornar alguns mitos sobre conversas a respeito da morte, especialmente com crianças. Ela explica que, assim como jovens e adultos, os pequenos também têm a capacidade de se enlutar, em um processo que costuma ter particularidades. "Talvez a criança não vai ter aquela concepção de morte como adulto tem. Dependendo da idade, não se tem noção da irreversibilidade da morte ou da universalidade da morte. Mas isso não significa que a criança, por exemplo, não vai perceber a ausência, que ela não vai ter sentimentos decorrentes da perda, como pesar, ou outras manifestações de luto, que são condizentes com o processo de elaboração dela e com o estágio de desenvolvimento que ela se encontra", detalha. Para Miyasato, independentemente de mortes por Covid-19 ou outras doenças, é fundamental que o tema seja tratado com as crianças para que elas possam construir os próprios significados em relação aos acontecimentos. Conforme a psicóloga, a melhor forma de abordar o tema com as crianças e adolescentes é falando a verdade, de maneira simples e acessível. Além disso, é importante criar um espaço seguro e receptível para que a criança se sinta à vontade para compartilhar como está se sentindo. "Quando a gente não conversa, criam-se fantasias que são muito mais aterrorizantes do que quando a gente fala", defende. 'Não existe um manual' Luisa comemorando a aprovação no vestibular ao lado da mãe Arquivo Pessoal Hoje, Luisa lembra da mãe como uma pessoa intensa, que colocava amor e dedicação em tudo o que fazia. "É até difícil falar dela e não falar sorrindo e se emocionando. Ela sempre foi uma pessoa que amou muito. Ela tinha muitas facetas. Era muito aventureira, era apaixonada por sentir adrenalina, sempre amou muito viajar, sempre teve paixão por arte, mas o mais importante é que ela era mãe. Ela sempre falava que, para ela, a vida não teria sentido se não fosse a gente, e que a maior felicidade da vida dela era a gente ter nascido", conta. Para ela, o apoio da família – especialmente dos irmãos – e o acompanhamento psicológico por meio da terapia foi fundamental durante o processo de luto. Não existe um manual a ser seguido para lidar com a perda de um familiar ou colega querido, porém, conforme a psicóloga Miyasato, existem alguns cuidados que podem ser seguidos, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes. O primeiro deles, segundo a psicóloga, é a reconstrução de uma rotina. "A gente consegue ter alguma previsibilidade do que é vida, do que é o mundo, a partir da rotina. E isso, em decorrência, traz um sentimento de segurança para gente", explica. Miyasato destaca também a importância de poder viver o pesar em conjunto, assim como reconhecer a necessidade de um espaço privado, para poder se expressar livre de julgamentos e cobranças – espaço este que pode ser encontrado na terapia, por exemplo. "A terapia acaba entrando nesse lugar de ter uma escuta específica. Ela pode ser um espaço muito muito valioso, mas não significa que vai ser necessária para todas as pessoas", esclarece. Além disso, conforme a psicóloga, é importante afastar a ideia de "superação da morte", mas sim trabalhar uma forma de ressignificar a perda. "Eu trabalho muito mais com uma abordagem de integrar aquele acontecimento da morte na nossa história de vida, nos novos significados de mundo e de si mesmo. Quando a gente fala em superar, a gente fala como se fosse uma coisa que vou deixar para trás, virar uma página, e não é sobre isso. Todas as pessoas que a gente perdeu, vão continuar tendo um espaço, um significado, muito importante para a gente para o resto da vida, mas de uma forma diferente", afirma. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 Paraná Leia mais notícias no g1 Paraná.

FONTE: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2025/03/11/orfaos-da-covid-19-jovem-relata-luto-por-mae-medica-parana.ghtml


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